Juiz admite que prisão foi "erro grave", mas mesmo assim condenou vítima a arcar com o processo.
Um homem foi preso por engano em 2019. Abordado por três policiais em seu local de trabalho, foi algemado e constrangido na frente dos colegas e levado para a cadeia. Passou quase 48 horas detido até conseguir provar que era inocente e que o Estado havia cometido um erro, ao prender um "quase homônimo" do verdadeiro suspeito. Depois disso, resolveu entrar na justiça pedindo uma indenização por danos morais. Mas, esta semana, três anos depois da prisão equivocada, uma decisão da 2ª Vara Mista de Itaporanga volta a lhe revoltar. O juiz da comarca paraibana não só decidiu pela improcedência da ação, como condenou o autor a pagar 10% do valor da causa para fins de custas do processo (cobrança que acaba não tendo efeito prático porque ele era beneficiário da justiça gratuita).
Ainda assim, mesmo sem efeitos práticos, a condenação indignou o advogado Olímpio Rocha, que está a frente do caso. Ele diz que a decisão judicial possui uma "fundamentação absurda" e que só lhes resta agora recorrer a todas as esferas possíveis.
"Vamos recorrer ao Tribunal de Justiça da Paraíba. Se for necessário, vamos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF)", declara Olímpio.
A fundamentação a que se refere o advogado é do juiz Antonio Eugênio Leite Ferreira Neto, que assina a decisão. Ao falar da prisão equivocada de um homem inocente que tinha o mesmo nome do suspeito, o juiz, embora admita que "os fatos acontecidos são graves", destaca que o Estado não tem culpa de nada porque, na opinião dele, tudo não passou de uma "eventualidade da vida" que estaria "passível de ocorrer com qualquer pessoa nas mesmas condições".
Os acontecimentos de 2019
Tudo aconteceu em 16 de abril de 2019, uma terça-feira que antecedia a Semana Santa daquele ano. Severino Rodrigues da Silva Júnior estava em seu local de trabalho em sua cidade natal, Itaporanga, no Sertão da Paraíba, quando foi abordado de forma inesperada por três políciais. Eles confirmaram a identidade dele e, de forma imediata, deram voz de prisão. De acordo com os autos do processo, houve constrangimento no ato da prisão, momento em que Severino foi algemado na frente de todos os colegas e imediatamente levado para a Cadeia Municipal de Patos. Pernoitou no local, segundo a vítima, sem direito a alimentação ou a banho.
"Ser algemado em seu local de
trabalho lhe causou grande comoção. Desde então ele não tem conseguido
dormir direito, sendo atormentado pelo medo de ser preso novamente de
forma injusta", declara Olímpio, que é também o atual presidente do
Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba.
De Patos, Severino
foi transferido para a Central de Polícia de João Pessoa. E lá esperava
audiência de custódia que poderia lhe transferir para um presídio. Nesse
meio tempo, contudo, a família de Severino entrou em contato com
Olímpio Rocha alegando que só poderia haver um erro.
Tratava-se de acusação de tentativa de homicídio ocorrida em Santa Rita, município da Grande João Pessoa, em 2008:
"Foram os dois absurdos que observamos. Na época dos fatos, ele era menor de ideia. Não poderia ser denunciado criminalmente. Se o promotor que pediu a prisão tivesse visto isso, saberia que ele não poderia ter sido denunciado. Depois, o rapaz nunca tinha ido a Santa Rita até a época do crime", explica Olímpio.
O advogado queria evitar mais transtornos ou prejuízos ao seu cliente e agiu rápido. Reuniu as provas que possuía, apresentou à juíza de Santa Rita, e conseguiu revogar a prisão. Ainda assim, ele só saiu da prisão quase dois dias depois de ser preso, já na véspera do feriado.
Em seus argumentos para a juíza de Santa Rita, Olímpio Rocha faz toda uma reconstituição do crime de 2008 e das investigações que se seguiram. De acordo com o advogado, a vítima da tentativa de homicídio era um homem que declarou ter sido atacado por um suspeito conhecido por Neguinho de Dai, e que esse se chamaria Severino Rodrigues Silva Júnior.
A partir dessa informação, o Ministério Público em Santa Rita buscou o nome do suspeito com o intuito de localizar e prender o autor do crime. Não encontrou nenhum Severino Rodrigues Silva Júnior, mas encontrou Severino Rodrigues da Silva Júnior (o cliente de Olímpio e que acabou preso) e outras duas pessoas chamadas Severino Rodrigues da Silva. Um deles era o pai do preso, mas esse já havia morrido. O outro era um homem que, curiosamente, morava em Várzea Nova, em Santa Rita, mesmo bairro onde aconteceu o crime.
Segundo Olímpio, essa terceira pessoa possivelmente é o verdadeiro suspeito, mas o MPPB, supostamente, se apegou ao "Júnior" e, no desenrolar do processo, se voltou para Itaporanga. "O meu cliente, um cidadão trabalhador e inocente, foi preso enquanto estava trabalhando", denuncia.
Para Olímpio, não restam muitas dúvidas de que todo os problemas decorreram de erros cometidos pelo MPPB em Santa Rita. Ele explica que o inquérito nem mesmo foi finalizado, que nem o seu cliente nem outros citados foram ouvidos, e que toda essa confusão gerou a prisão de um inocente. E, justo por tudo isso, por considerar clara a culpa do Estado em todo o caso, a palavra de ordem para ele é recorrer da decisão judicial recente e continuar lutando por uma indenização que ele considera justa.
g1