Ele prestou um boletim de ocorrência, pois não sabia nada disso.
Oficialmente,
José Ananias Raimundo, de 38 anos, é um homem casado e pai de família. O
matrimônio foi em outubro de 2004 e está devidamente registrado no
cartório de registro civil de Itaporanga. No mesmo serviço registral
também constam as certidões de nascimento de dois filhos de José. O
problema é que ele não sabia de nada disso. Só descobriu agora, depois
do falecimento do homem que utilizou indevidamente seus documentos
pessoais para contrair núpcias e fazer família.
A
confusão veio à tona na hora de tirar o registro de óbito do falecido. A
morte foi no final do mês passado por doença cardíaca: apesar de ter
sido sepultado, descobriu-se que José Raimundo, na verdade, estava vivo e
que o verdadeiro morto não tinha documento de identificação, ou seja,
não existia oficialmente, porque ainda não tinha nascido perante à lei
por falta de registro de nascimento, e agora, depois de morto, ficou
também sem registro de óbito. Sem documento, o cartório não emite a
certidão de falecimento.
Mas a
confusão na para por aí. O verdadeiro falecido, de nome Geraldo, de 34
anos, deixou uma herança de problemas: sua ex-mulher, mãe dos seus dois
filhos, não pode pedir uma pensão porque, apesar do falecimento, seu
exmarido continua vivo oficialmente, ou seja, ela casou-se de fato com
um homem, mas, pela lei, era casada com outro. Na mesma situação está a
atual companheira do falecido, uma mulher de 49 anos, pois não tem como
provar que ele morreu. “Minha luta agora é para tirar a certidão de
óbito dele e, para isso, vou procurar a Justiça e já contratei um
advogado, mesmo sem poder”, comentou ela durante contato com a Folha.
Já
José Ananias Raimundo precisa agora provar que nunca se casou, não tem
filhos nem está morto. Para isso, o primeiro passo foi procurar a
delegacia e registrar um Boletim de Ocorrência. “Em 45 anos de polícia,
eu nunca vi uma confusão dessa”, comentou o escrivão Silva Rodrigues,
conhecido popularmente como Mãe Velha. Outro problema é que os registros
de nascimento e demais documentos dos filhos, que hoje são
adolescentes, assim como a certidão de casamento da mãe, também terão
que ser modificados, mas somente por força da Justiça.
Ao
descobrir toda a confusão que o envolveu, José Raimundo, que, de fato, é
solteiro, não tem filhos e mora na Avenida Padre Lourenço, puxou pela
memória e lembrou-se do que aconteceu: “eu era amigo de Geraldo, então
na época ele pediu meus documentos com a desculpa que era para resolver
alguma coisa, e eu entreguei, mas só agora fique sabendo que ele usou
meus documentos para se casar”, disse ele ao jornal. José recorda também
que, nesse tempo, o amigo contava que tinha se envolvido amorosamente
com uma moça e o pai dela havia o obrigado a casar-se com ela, “mas como
ele não tinha documento, usou o meu sem eu saber”.
Sem
recursos para pagar advogado, José Ananias Raimundo procurou uma
entidade não governamental, a fundação humanitária José Francisco de
Sousa. A instituição vai encaminhar o caso à Justiça para que os erros
que envolvem o nome de José sejam reparados e ele possa livrar-se dessa
herança nada agradável deixada pelo seu amigo de infância.