Dona Dora, como era conhecida, morreu vítima de uma bala perdida, em um bar no bairro de Nova Mangabeira.
As lágrimas que rolaram dos olhos de Sandra Bezerra chegaram a molhar
o gravador por várias vezes durante a entrevista. “Ela saiu para se
divertir e não voltou. Só de me lembrar disso, não consigo nem falar”,
desabafou. Sandra perdeu a mãe, Maria das Dores Silva Bezerra de 54
anos, no dia 17 de março de 2013. “Quem fez isso com ela acabou com a
nossa família, pois ela era tudo que nós tínhamos”, lamentou.
Dona Dora, como era conhecida, morreu vítima de uma bala perdida, em
um bar no bairro de Nova Mangabeira. “Eles chegaram atirando para matar
os inimigos deles que estavam no bar também, mas mataram a minha mãe.
Levaram minha mãe que não tinha nada a ver com a briga deles”, lembrou
Sandra.
A morte de dona Dora mudou completamente a rotina da família. A
depressão, o pânico e vários traumas passaram a fazer parte da vida de
quem ficou. Sandra Bezerra, filha mais velha, perdeu a perspectiva de
vida. Por conta disso, se afastou do trabalho e teve que ser levada às
pressas para o hospital por várias vezes. Para poder seguir a diante
passou a fazer uso de vários remédios controlados.
A outra filha, Sirleide Silva mergulhou em uma depressão profunda.
Chorava com facilidade e não via mais razão para continuar a vida. “ Ela
só vivia trancada no quarto chorando, dizendo que queria morrer”,
lembrou Sandra. A impaciência e irritabilidade tomaram conta dos outros
dois filhos, Silvânia e Sidney Bezerra. “Até de casa meu irmão (Sidney)
saiu deixando a família para trás. Se minha mãe tivesse viva nada disse
teria acontecido”, lamentou Sandra.
Onde encontrar ajuda
Perder alguém que ama e não ter ajuda para tentar amenizar e superar
essa dor. Esta é a situação da família de Sandra e de inúmeras pessoas
que vivem na Paraíba e viram a vida de entes queridos serem finalizadas
precocemente devido a violência. O sentimento que fica é o de pleno
abandono por parte do poder público e, diante disso, há quem pense em
fazer justiça com as próprias mãos.
Quem passa por esse tipo de situação pode se entregar ao álcool, as
drogas, entrar para criminalidade para tentar superar a perda. Estas
pessoas com certeza precisam de um acompanhamento profissional para
poder superar esses traumas, conforme prevê a psicóloga Patrícia Diniz.
Na Paraíba fica sob a responsabilidade dos municípios oferecem
assistências às pessoas que enfrentam algum tipo de trauma ou vícios,
através dos programas de assistência social e psicológica, através dos
Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps), Centro de
Referência de Assistência Social (Cras), Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (Creas). Em todo o Estado existem 81
Caps, 104 Creas, sendo 26 estaduais que atendem a todos os municípios
que não têm Creas e 78 municipais.
Serviços não atendem a contento
O presidente da Federação das Associações de Municípios da Paraíba
(Famup), Tota Guedes, disse que os programas sociais implantados pelo
Governo Federal e geridos pelos municípios não oferecerem os serviços a
contento à população devido à insuficiência de verbas.
“Os Craes, Cras e Caps não são suficientes e não oferecem os serviços
com a excelência que deveria, porque o Governo Federal implanta o
programa, mas quem tem que mantê-los são os municípios. Então, para se
ter um ideia, para manter um Cras o Governo encaminha R$ 6 mil por mês e
o resto quem tem que bancar são as prefeituras”, reclamou Tota Guedes.
Segundo ele, os municípios arcam com cerca de 70% da manutenção dos
programas implantados pelo Governo Federal. “Para isso, tem que retirar
recursos de outras fontes como FPM (Fundo de participação dos
Municípios) e do ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza).
Então, a conclusão que tiramos disso tudo é que esses programas estão aí
de enfeite”, concluiu Tota Guedes.
O que diz o Estado. A secretária de Desenvolvimento Humano, Cida
Ramos, informou que o Estado não disponibiliza nenhum tipo de serviço
para dar apoio aos familiares de vítimas de homicídios. “As pessoas que
estão nessa situação devem procurar os serviços que são oferecidos pelos
municípios como Caps (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras
Drogas), Cras (Centro de Referência de Assistência Social), Creas
(Centro de Referência Especializado de Assistência Social), pois eles
disponibilizam de assistência psicológica, assistentes sociais que
ajudam a fortalecer os vínculos familiares”, afirmou Cida Ramos.
Saudade que fica
Os anos se passam, mas o dia que a matriarca da família se foi ficou
marcado como uma cicatriz que dói na alma das filhos e netos de Dona
Dora. No Facebook, a data é lembrada ano após ano.
“Hoje faz exatamente quatro anos que a senhora nos deixou, mas creio
que está em um bom lugar. O que nos resta é só saudade. Te amo mãe,
eternamente”, escreveu Sirleide Silva Bezerra. A outra filha, Silvania
Bezerra comentou: “Minha eterna rainha...”.
A neta Evillyn Costa desabafou. “Quatro anos sem você mãe, que
saudade de ter teu colo e teus conselhos. Te amo para sempre... Eloah
(bisneta de dois anos) sabe da sua existência, pois sempre falo da
senhora. Ela te chama de mãe também. Ela vê a sua foto e diz olha mãe,
mamãe. Minha filha sempre ouvirá falar do seu nome. Te amoooo”,
publicou Evillyn Costa em sua conta do Facebook, no dia 17 de março de
2017.
Sem saída. Morar em uma comunidade não é sinônimo de bandidagem,
muito menos de que todos que ali são criminosos. Assim como em todas as
classes sociais, há multiplicidade de personalidades e de condutas. Há
quem batalhe para ter uma vida melhor de forma honesta, quem não queira
nada com a vida e quem tenha se envolvido em atividades ilícitas devido
às circunstâncias que só a própria pessoa conhece.
Morando em uma das comunidades de João Pessoa que é dominada pelo
tráfico, o rapaz que vamos chamar de João esteve entre a vida e a morte
após o dono da boca de fumo do local em que vivia ser assassinado por um
rival. Eles eram amigos de infância e respeitavam o estilo de vida que
seguiram, mas ao traficante que assumiu o local só importava uma cosia:
aumentar seu ‘exército’.
“Depois que mataram ele (dono da boca), o cara que tomou conta queria
que todo mundo fosse trabalhar para ele. Disse a ele que não era
bandido e que não ia, porque sou trabalhar, sempre trabalhei desde
criança. Por conta disso, mandou me matar. Descarregaram um resolver
todinho em cima de mim, mas Jesus me protegeu e hoje eu vivo me
escondendo feito um verme”, desabafou João.
Depois desse episódio, João passou a ser perseguido. Para não morrer,
tentou exterminar quem queria tirar a sua vida. “Eu vivia ameaçado, me
escondendo sem poder trabalhar. Tenho minha família, meu filho, eles
precisam comer e tenho que trabalhar para isso. Tive que me proteger
para não virar robô do dono da boca. Agora, estou respondendo por
tentativa de homicídio”, comentou.
João disse ainda que quando teve um revólver totalmente descarregando
contra ele, mesmo sabendo quem era o autor dos disparos e o mandante do
crime não contou nada à polícia.
“Se for prestar queixa, além da polícia não fazer nada a gente corre
mais risco ainda. Quando estava no hospital baleado, vieram me perguntar
se eu sabia quem queria me matar, mas não disse nada. Falei que não
tinha visto nada e que não sabia de nada. Tentaram me executar e eu
tinha que me proteger, pois a polícia não iria resolver nada, porque ela
não vai estar na casa da pessoa 24 horas”, contou João. “Me sinto
excluído de tudo. Tenho família, minha casa, mas vivo jogado, excluído
da sociedade, me escondendo dos criminosos”, complementou.
Morto na esquina de casa
Como fazia todos os sábados, o escrivão da Polícia Civil Waldir Ponce
di Leon saiu para comprar pizza. Em casa, a família esperava ansiosa
para iniciar o jantar. No caminho de volta, um desentendimento no
trânsito. Em casa, os familiares ouviram disparos, em seguida uma batida
no portão: “Seu pai foi baleado”, disse quem tentava socorrê-lo. A
filha do policial, Vanessa Ponce, correu, mas quando chegou ao local seu
pai já estava sem vida.
“Ele (Waldir) já estava chegando. Ainda estava com as pizzas nas
mãos. Foi um trauma muito grande, porque aconteceu na esquina de casa e
vimos tudo até a chegada da perícia. Ficamos esperando aquele carro
chegar (o rabecão) e levar o meu pai para sempre”, desabafou Vanessa
Ponce.
A perda repentina de Waldir Ponce não deixou apenas saudade, mas
trouxe traumas e desespero. Os familiares entraram em depressão e, por
isso, precisaram de apoio psicológico. “Estamos aprendendo a sobrevir
dia após dia. Nada que se faça vai suprir a falta que ele faz. Fazemos
tratamento, tomamos remédio controlado. A família está abalada, todos
navegamos no mesmo barco, pois é muito difícil de aceitar uma perda como
esta”, lamentou Vanessa Ponce.
Waldir Ponce di Leon foi assassinado no dia 21 de maio de 2016 quando
trafegada de moto no bairro Valentina. Ele foi atingido por vários
tiros que teriam sidos disparados por Marcelo Ramos Alves, 33 anos, que
estava em um veículo que vinha atrás da moto do policial. O acusado foi
preso no final de março deste ano em um restaurante localizado no
município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
Ajuda da Aspol
Vanessa Ponce informou que o tratamento psicológico da família está
sendo custeado pela Associação dos Policiais Civis de Carreira da
Paraíba (ASPOL). “Fomos muito bem acolhidos pela Aspol. Eles
disponibilizaram tudo para nós. Não temos o que reclamar com relação a
isso”, comentou.
Quatro mortes por dia na Paraíba
Nos últimos cinco anos (2012, 2013, 2014, 2015 e 2016) foram
registrados 7.416 homicídios na Paraíba. Isto indica uma média de quatro
mortes por dia. Os dados são da Secretaria de Estado da Segurança e da
Defesa Social do Estado. Somente nos três primeiros meses de 2017 a
Secretaria de Segurança já registrou 343 homicídios no Estado.
O secretário de Segurança, Cláudio Lima, informou que na Paraíba há
uma média de 33 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. “Esse
número ainda é considerado alto, se comparado com os países de primeiro
mundo que têm um índice de 10 homicídios para cada 100 mil habitantes”,
comparou o secretário.
Para Cláudio Lima, vários fatores, objetivos e subjetivos, contribuem
para o aumento da criminalidade, um deles é o tráfico de drogas. “Não
tem uma causa única para explicar esse fenômeno. Há uma pluralidade de
acontecimentos que envolvem a cultura, a intolerância e a questão
socioeconômica”, comentou.
Psicóloga alerta para risco de virar justiceiro
Agressividade, insônia, pânico, crises de ansiedade e choro fácil.
Esses são sintomas que indicam que é momento de buscar ajuda psicológica
ou psiquiátrica para superar a situação que desencadeou tais sinais. O
alerta é da psicóloga Patrícia Diniz. Segundo ela, a perda repentina de
um parente pode desenvolver vários traumas, como Transtorno Psicológico
de Pressão (TPP), Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) e a
depressão.
“Em regra, o luto dura em média de seis a oito meses. Depois disso,
as pessoas vão retomando a vida aos poucos. Quando os sintomas persistem
mais do que isso é sinal de que há um trauma que precisa ser cuidado e
essa pessoa precisa de ajuda”, afirmou Patrícia Diniz.
De acordo com a psicóloga, quanto mais cedo se cuidar dos traumas
psicológicos desenvolvidos devido à perda trágica como o homicídio de
alguém que se amava, mais chances há de reverter o quadro. Segundo
Patrícia Diniz, há casos que se não forem tratados podem provocar danos
psicológicos irreversíveis.
“Se houver predisposição, esse trauma pode desencadear um transtorno
de personalidade de difícil reversão. Além disso, o assassinato de um
ente pode causar revolta em quem ficou ao ponto deste querer virar
justiceiro e fazer justiça com as próprias mãos”, finalizou a psicóloga.
Creas
Equipe Estadual – A equipe de operacionalização da Proteção Social
Especial de Média Complexidade no Estado da Paraíba desenvolvida nos
CREAS é formada por: 01 (uma) Gerente Operacional da Proteção Social
Especial, 01 (uma) Coordenadora dos CREAS do Estado, 03 (três)
Assistentes Sociais, 03 (três) Psicólogas, 01 (um) Advogado, 01 (uma)
Pedagoga e 03 (três) Auxiliares Administrativos.
Endereço: Avenida Presidente Epitácio Pessoa nº 2501, 2º andar, sala
202, Bairro dos Estados, João Pessoa – PB. Fone: 3218-6666. E-mail:
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Creas - Endereços e profissionais
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