Conversamos com pessoas que perderam parentes próximos
por causa da imprudência de motoristas, buscando chamar a atenção da
sociedade para o alto índice de mortes e feridos no trânsito
Autor: Redação do Portal
Nem mesmo as tristes marcas deixadas em milhares de famílias que
perderam amigos ou parentes em acidentes mudam alguns motoristas, que
insistem em comportamentos irresponsáveis como uso de celular ao
volante, consumo de álcool antes de assumir a direção, excesso de
velocidade e até negligência de empresas que não fazem a manutenção de
seus veículos constantemente. Comente no fim da reportagem.
O Portal Correio conversou com pessoas que perderam parentes por
causa da imprudência desses condutores, buscando chamar a atenção da
sociedade para o alto índice de mortes e feridos no trânsito, assim como
visa a campanha ‘Maio Amarelo’.
As duas histórias relatadas a seguir têm como ponto em comum não só
perda de entes queridos. O autônomo Alex Cândido e a estudante Jayne
Gabrielle, cada um à sua maneira, também partilham do engajamento na
luta por justiça.
Caso Diogo
“A dor e o sentimento é um só. Dói muito perder um amigo querido, a
quem tanto considerava. Nós sabemos que tudo isso poderia ter sido
evitado pelo assassino, pois ele arrancou não só a oportunidade de vida
de Diogo, mas também a de seus filhos que irão crescer sem o pai e a do
resto da família”, lamentou Alex Cândido, cunhado de Diogo.
Diogo Nascimento foi atropelado na madrugada do dia 21 de janeiro
deste ano quando trabalhava em uma operação da Lei Seca no Bessa, em
João Pessoa. O suspeito de atropelá-lo, Rodolpho Gonçalves Carlos da
Silva, teria desobedecido a ordem de parada e avançado um Porsche que
conduzia sobre o agente. A vítima chegou a ser socorrida para o Hospital
de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, mas morreu no dia
seguinte.
A Justiça pediu que Rodolpho fosse preso, mas o desembargador Joás de
Brito concedeu habeas corpus na madrugada do domingo (22), antes mesmo
do suspeito ser detido. O carro dele foi apreendido. Durante a semana
que se sucedeu ao atropelamento, a Polícia Civil e o Ministério Público
da Paraíba formularam novo pedido de prisão de Rodolpho e o caso ficou
pendente até o dia 24 de abril, quando o juiz Marcos William determinou a
prisão de Rodolpho. O acusado foi preso no prédio onde mora, em
Manaíra, área nobre de João Pessoa.
Porém, no último dia 11, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da
Paraíba (TJPB) julgou o mérito e concedeu habeas corpus em parte a
Rodolpho. Com a decisão, o estudante não vai aguardar pelo julgamento na
prisão.
“A vida continua, mas é muito difícil saber que alguém que você ama
se foi da maneira mais trágica possível. A dor para quem fica é enorme”,
disse o cunhado de Diogo.
Família e colegas do agente de trânsito aguardam abalados por justiça. O sentimento, segundo Alex Cândido, é de revolta.
“Eu já esperava ele ser solto, mas não tão rápido. Isso só esclarece
mais ainda como nossa Justiça é falha, mas é clara: se você é réu
primário, você dificilmente ficará preso, e se você tiver dinheiro aí é
que não fica mesmo. Muito revoltante”, finalizou Alex.
Acidente entre trem e ônibus em Santa Rita
Era uma tarde comum quando a mãe de Jayne Gabrielle, Edilane da Silva
Macedo Alves, de 49 anos, saiu de casa para pagar contas, como sempre
fazia. Contudo, uma tragédia mudou aquele dia 29 de fevereiro de 2016.
“Nós tínhamos combinado de irmos juntas ao hospital fazer alguns
exames, mas ela desistiu de última hora e decidiu ir sozinha. Ela me
ligou por volta das 15h30 avisando que tinha pegado o ônibus para voltar
para casa e que ia descer uma parada depois da que costumava descer,
pois ficou de fazer compras. Foi justamente onde aconteceu o acidente”,
contou Jayne.
O acidente que vitimou a mãe de Jayne ganhou repercussão em toda a
imprensa pela dimensão que teve. Mais de dez pessoas ficaram feridas e
cinco morreram após um acidente envolvendo um trem da Companhia
Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e um ônibus no distrito de Várzea
Nova, município de Santa Rita. Uma falha do ônibus teria feito com que o
veículo ficasse parado na linha férrea. O local também não tinha
cancelas.
Sobre a dor da perda, a estudante afirmou que não passa. “A dor não
diminui, a saudade só aumenta e o luto é eterno. Não é difícil levantar
todos os dias, pois adquirimos forças, mas saber que nada foi resolvido
ainda provoca dor física e emocional”, disse.
Jayne contou ao Portal Correio que todos os dias lembra da mãe.
“Lamento não ter aproveitado os últimos momentos com ela. Lamento por
cada segundo que fiquei longe naquele dia. Se pudesse voltar atrás,
teria aproveitado cada segundo, mas se tivéssemos essa consciência do
que iria acontecer, acredito que tudo seria bem mais doloroso”,
desabafou.
A filha de Edilane também lastima que a segurança viária seja falha e
diz se preocupar quando alguém que ela conhece pega a estrada. “Não
consigo ficar tranquila quando sei que as pessoas que amo viajam de
carro ou passam mais tempo que o normal no trânsito. A sociedade deveria
ter mais empatia, se importar com a dor do outro. Cuidar da segurança
do próximo é o primeiro passo para termos o direito de exigir algo de
alguém na mesma situação”, concluiu Jayne.
Imprudência: quando não mata, deixa sequelas
A dificuldade para voltar à vida normal foi constatada pela
publicitária Carolina Vieira, que, aos 23 anos, sofreu um grave acidente
que a deixou paraplégica.
"Foi constatado que tive traumatismo craniano, quatro costelas
perfuradas, paralisação do braço esquerdo, rafiamento do fígado, que
resultou em uma hemorragia interna. Fiquei em coma oito dias no hospital
e, quando acordei, os médicos tiveram mais um desafio: eu estava com
três vértebras da coluna fraturadas. Fiquei com uma sequela de lesão na
medula, o que acabou me tornando paraplégica e usuária de cadeira de
rodas, fora a depressão que tive quando recebi alta", detalhou Carol.
Em 2007, a publicitária, que estava na garupa de uma motocicleta,
seguia para o consultório médico quando sua rota foi interrompida pelo
acidente. "Um carro colidiu na moto, fui arremessada para o alto e outro
carro me atropelou. O motorista do primeiro veículo, que estava errado,
fugiu e não prestou socorro". Desde então, a rotina de Carol mudou
totalmente e sua vida teve um novo sentido.
"Eu tinha uma rotina bastante corrida. Eu era professora de dança,
estudante e esportista. Eu saía bastante com as amigas, gostava de
dançar, de ir às festas; também estava casada na época, enfim, minha
vida era super ativa. De repente, eu me vi deitada em cima de uma cama
precisando de quatro ou cinco pessoas para realizar o mínimo de
atividades, ou seja, as minhas limitações eram imensas diante da
realidade que tinha na minha frente. Porém, ou eu viveria no luto pela
minha condição, ou eu viveria na luta. Entre o luto e a luta, eu preferi
a luta", relatou.
Dia 21 de junho, o acidente que mudou totalmente a vida da
publicitária completa 10 anos. Na época, Carol era estudante de Educação
Física. Em entrevista ao Portal Correio, ela contou que a faculdade não
quis se adaptar às condições que o acidente lhe trouxe.
"A faculdade em que cursava Educação Física não me deu o direito de
voltar a estudar. Eles teriam que adaptá-la às minhas condições, mas
optaram por ignorar. Entrei na Justiça, e só quatro anos atrás tive um
resultado positivo, mas não voltei porque já estava fazendo o curso de
Publicidade e Propaganda e hoje sou formada nisso", explicou a
cadeirante.
Questionada sobre quem esteve ao seu lado após o acidente, Carol
afirmou ter recebido apoio de amigos e familiares, mas conta que quem
abdicou de tudo, literalmente, foi sua mãe.
"O Colégio que concluí meus estudos e tinha muitos amigos, paralisou
as atividades durante os oito dias que estive em coma, sempre às 18h
para uma oração. Quando eu soube disso fiquei super emocionada. Diante
disso, e vendo minha família inteira e amigos movendo 'céus e terras'
para me ajudarem a sair dessa, inclusive fazendo campanhas de
arrecadação para ajudar minha mãe com as despesas do tratamento, eu não
podia fraquejar. A pessoa que largou tudo por mim foi minha mãe", contou
ao Portal Correio.
Carolina ainda pontuou o que o acontecimento trouxe de positivo para
ela. "A condição que o acidente me deixou, tornando-me uma pessoa com
deficiência física, me levou a seguir pelo caminho da luta pelos
deficientes. Eu me tornei vice-presidente de uma associação para lutar
por todos nós, pois é muito difícil sobreviver a essa sociedade que só
nos exclui. Também virei modelo fotográfica de uma agência de São Paulo,
que só fotografa pessoas especiais e sou cantora de uma banda baile,
que é composta só por pessoas com deficiência", falou orgulhosa.
A publicitária frisou que vai continuar na luta pelos direitos dos
portadores de deficiência. "Vou seguir lutando para que a gente consiga
conquistar mais espaços e direitos, pois leis temos muitas, inclusive
que valorizam a inclusão, mas a população não respeita, então temos que
continuar nessa empreitada. É um trabalho árduo, sofremos todos os dias,
e só quem tem vontade de viver é quem aguenta. Hoje tenho outro sentido
de vida. Tenho um filho e um companheiro que também é militante, que me
ajuda todos os dias. O amor e Deus são as fortalezas principais para
que eu passe por qualquer problema", disse.
Números de acidentes caem, mas ainda preocupam
João Pessoa registrou queda no número de vítimas de acidentes no
trânsito entre 2015 e 2016, mas os números ainda preocupam. Em balanço
recente divulgado pela Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana
(Semob). Em 2015, 9.038 pessoas foram vítimas de acidentes nas ruas de
João Pessoa; em 2016, o número caiu para 7.615.
Para a PRF, a redução de mortes se deve a um conjunto de ações, mas
os números ainda preocupam. Ao Portal Correio, o chefe de comunicação da
PRF, Éder Rommel, explicou que os problemas no trânsito, assim como
todos os problemas do país, só vão acabar através da educação.
“É difícil criar uma expectativa de que o trânsito será melhor em um
futuro próximo, pois isso depende muito da educação das pessoas, assim
como tantos outros problemas no país. Como uma criança que vê todos os
dias o pai usando o celular enquanto dirige vai reagir? Quantas crianças
também não veem os pais usando o cinto de segurança? Elas absorvem
aquilo que elas veem. Então o fundamento dos problemas do Brasil,
inclusive o trânsito, começa pela educação. Não adianta cobrar os órgãos
de fiscalização por uma falha que começou lá atrás”, alertou.
Motos - 71% do total de vítimas de trânsito atendidas no Ortotrauma
O Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio de Miranda
Burity (Ortotrauma) atendeu 293 pacientes vítimas de acidentes de
trânsito nos três primeiros meses do ano. Os atendimentos referentes às
vítimas de acidentes com motocicletas representam 71,3% do total, com
209 ocorrências.
O filho do corretor de imóveis Lúcio Carneiro foi vítima de um desses
acidentes recorrentes na Capital. Em entrevista ao Portal Correio, o
pai da vítima explicou que Lúcio Júnior perdeu o controle da motocicleta
que pilotava, sobrou na curva e bateu em um poste, na Avenida Tancredo
Neves, em 2012.
“Todas as vezes que vemos um acidente com motocicleta vem na
lembrança, até porque ele não tinha moto, justamente porque eu já tive
duas e sofri um acidente que me trouxe limitações permanentes. Quando o
meu filho fez 18 anos, demos um carro a ele. A moto que ele pilotava no
dia do acidente era de um cliente do estabelecimento em que trabalhava;
ele foi deixar com o dono e não voltou mais”, lamentou Lúcio.
Maio Amarelo
Desde o primeiro dia do mês de maio, o Brasil e mais 23 países estão
mobilizados em mais uma edição do Maio Amarelo, um movimento que tem
como objetivo conscientizar os motoristas, pedestres e ciclistas sobre a
segurança viária e chamar a atenção da sociedade geral para o alto
índice de mortes e feridos no trânsito.
A proposta é colocar em pauta, de forma permanente, o tema trânsito
para toda a sociedade, destacando que o trânsito deve ser seguro, em
todas as situações para todos; incentivando a participação da população,
empresas, governos e entidades, no trabalho de conscientização e
prevenção de acidentes.
Na Paraíba, pelo terceiro ano consecutivo, o Departamento Estadual de
Trânsito (Detran-PB) adere ao movimento. A programação foi aberta
oficialmente no último dia 2, às 8h, no auditório da Escola de Serviço
Público do Estado da Paraíba (Espep), em Mangabeira, na Zona Sul da
cidade.
Diversos órgãos públicos e entidades confirmaram a adesão ao
movimento, a exemplo da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana
(Semob), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Departamento de Estradas e
Rodagens (DER), Polícia Militar, Maçonaria, Rotary Clube, Faculdade
Maurício de Nassau e motoclubes.