No último domingo (16), o Fantástico mostrou como é
viver na cidade mais violenta do mundo - San Pedro Sula, em Honduras. Neste
domingo (23), os nossos repórteres viajaram pelas três cidades brasileiras que
estão entre as dez mais violentas do planeta. Uma delas vai receber jogos da
Copa do mundo.
Nestes locais se mata por qualquer motivo: paixão, discussão,
tráfico. “A morte é sempre entre 15, 21, 22 anos. Não passa disso”, destaca um
policial.
Uma pessoa assassinada a cada duas horas. O crime é bem perto
das autoridades. O que impressiona é que a venda de drogas funciona bem em
frente à delegacia.
Durante um mês, o Fantástico percorreu as cidades brasileiras
que aparecem no ranking das dez mais violentas do planeta entre as que não
estão em guerra: Maceió,
Fortaleza e João Pessoa. O levantamento foi feito por um respeitado grupo de
estudos mexicano.
Sexta, 7 de fevereiro, às 22h30, o bar de forró no centro de
Maceió é um dos mais agitados da região, mas a festa termina de repente. Veja
os tiros no alto do vídeo acima. Pessoas se escondem embaixo das mesas, atrás
do balcão, uma delas pede socorro.
Polícia: Polícia militar, boa noite
Vítima: Mande uma viatura urgente na Rua das Árvores. Pelo amor de deus. Mande logo.
Vítima: Mande uma viatura urgente na Rua das Árvores. Pelo amor de deus. Mande logo.
Maceió é a quinta cidade mais violenta do mundo, e primeira
do Brasil, segundo o estudo mexicano. Em 2013, foram 79 homicídios para cada
100 mil habitantes. Acima de 10 homicídios por 100 mil habitantes, a
Organização Mundial de Saúde, considera uma epidemia de violência.
De acordo com números do próprio governo estadual, a maioria
das vítimas de homicídios em Maceió é de jovens, com idade entre 18 e 29 anos.
“Quem está na orla não consegue visualizar que, todos os
dias, na cidade de Maceió, pelo menos cinco jovens estão morrendo. E esses
jovens não estão morrendo na orla. Eles estão morrendo nas periferias”, destaca
a socióloga Ruth Vasconcelos.
Durante os nove dias que passamos em Maceió, foram 19
assassinatos. Em todos, os criminosos nem se preocuparam em esconder o rosto.
Segundo a polícia, geralmente, os assassinos mandam
informantes para o local do crime. Eles querem saber se algum morador está
colaborando ou não com as investigações. Por isso, a lei do silêncio. Ninguém
fala nada, ninguém ajuda.
Com 46 anos, Sebastião Borges dos Santos não ajudou na
investigação de um homicídio, diz a polícia. Mas os traficantes acharam que
sim. E mataram o borracheiro com um tiro na cabeça.
Uma das 12 cidades-sede da Copa e palco do segundo jogo do
Brasil na competição, Fortaleza é a
sétima cidade mais violenta do mundo e a segunda do Brasil, de acordo com o
levantamento. São 72 assassinatos por 100 mil habitantes.
Como em Maceió, os jovens são as principais vítimas. Carlos
Henrique foi morto com dois tiros. Segundo a polícia, por dívida com o tráfico.
O assassino não foi preso e conta com a estatística oficial a seu favor. Hoje,
o estado do Ceará tem 58 mil foragidos, 11 mil deles acusados por homicídio. O
Fantástico teve acesso a mandados de prisão que deveriam ter sido cumpridos em
1995, 1994 e até em 1991, ou seja 23 anos engavetado.
“O criminoso, no Ceará, para ser preso, tem que ser muito
azarado. A Polícia Civil não tem efetivo pra investigar nenhum crime”, destaca
o presidente do sindicato de Policiais Civis do Ceará, Gustavo Simplício
Moreira.
A principal delegacia responsável pela captura dessas
pessoas, que fica em Fortaleza, está em situação precária, com as celas
lotadas. Para socorrer os presos doentes, os agentes precisam pedir ajuda para
os próprios presos.
Só no carnaval de 2014, 25 pessoas foram assassinadas em
Fortaleza. E nesta semana, novos homicídios assustaram os moradores. Entre
eles, o de um universitário de 19 anos, morto durante um sequestro-relâmpago.
“A gente tem uma situação que não é de conforto. Mas você tem
a polícia fazendo o seu papel, dando as respostas adequadas. Para você ter
ideia, nós realizamos nos últimos cinco meses cerca de 10.500 prisões em
flagrante”, destaca o Servilho de Paiva, secretário de segurança do Ceará.
O Fantástico foi até João Pessoa,
a nona cidade mais violenta do mundo, e terceira do país, segundo o estudo.
O que impressiona na cidade é que a venda de drogas funciona
bem em frente à delegacia. Os compradores chegam a pé, de carro, até se
atrapalham e disfarçam mal, mas ninguém para a ação dos criminosos. O nosso
produtor se aproxima do grupo, fingindo estar interessado na droga. O
traficante não se preocupa com a polícia.
No fim do dia, o delegado titular da delegacia do turismo,
Francisco Azevedo, chama dois rapazes, um deles é o homem flagrado pela nossa
equipe vendendo drogas.
Eles entram, ficam três minutos, e, logo em seguida, deixam o
prédio para voltar à rotina. Hoje, o delegado disse para a repórter Meiry Alves
que suspeitava do tráfico na região e chamou os dois em busca de informações.
Delegado: Todas as pessoas que são chamadas na delegacia são
chamadas para dar esclarecimentos
Fantástico: O senhor sabia que eles vendiam droga?
Delegado: Até aquele momento não.
Fantástico: O senhor sabia que eles vendiam droga?
Delegado: Até aquele momento não.
Depois que a secretaria foi informada dos flagrantes, os
traficantes que agiam na frente da delegacia foram presos.
João Pessoa tem uma taxa de homicídios considerada epidêmica
pela Organização Mundial da Saúde. São 66 para cada 100 mil habitantes
“É um trabalho que a gente tem focado muito, principalmente
nos crimes contra a vida, mas demonstrando que o caminho é certo e já há uma
boa redução, mas a gente reconhece que ainda falta fazer”, disse secretário de
Segurança da Paraíba, Cláudio Coelho Lima.
O filho de Dona Maria faz parte desses números. “A gente
estava na igreja e, quando eu cheguei lá, eu vi a cena, que nenhuma mãe queria
ver. Meu filho morto, na calçada”, conta.
Tibério de Oliveira tinha 24 anos e foi morto com 9 tiros em
2011. A família diz que foi por engano.
“Meu irmão não tinha rixa com ninguém, não tinha dívida.
Então quem o conhecia sabia disso”, diz o irmão Kaleb.
Para o Ministério Público, muitas mortes estão relacionadas
ao tráfico de drogas. Mas uma investigação da Polícia Federal também apontou a
existência de milícias e grupos de extermínio, formados por policiais.
O Fantástico teve acesso aos detalhes do inquérito. Segundo o
documento, uma das gravações mostra o major da PM, Gutemberg Nascimento de
Lima, negociando uma espingarda.
O major foi indiciado pela Polícia Federal por comércio ilegal de armas, formação de milícia e lavagem de dinheiro. Por telefone, ele disse ao Fantástico que é inocente e vítima de perseguição política. Além do major, sete policiais civis e dez militares devem ser julgados por diversos crimes.
Voltamos para Maceió - a primeira cidade em todo o país a
receber ajuda da Força Nacional. O trabalho começou em 2012 e a taxa de
homicídios vem oscilando ano a ano. Comparando 2013 a 2011, a queda é de 16%.
“A Força Nacional continua até que o efetivo que prestou
concurso seja capacitado para assumir as funções e ai a força segue para outro
estado do país”, disse a secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki.
E é
justamente a falta de efetivo, uma das principais reclamações ouvidas pelo
Fantástico.
Em 2004 eram 10.398 homens, hoje, dez anos depois, são 10.012.
Em 2004 eram 10.398 homens, hoje, dez anos depois, são 10.012.
A nossa
equipe rodou 30 quilômetros durante uma noite nas principais ruas e avenidas de
Maceió, e não viu policiamento algum.
Mesmo
durante o dia, o tráfico de drogas, um dos combustíveis de tantos homicídios,
funciona tranquilamente nas praias de Maceió. Em alguns locais são crianças que
negociam a droga.
“Nós iremos
mostrar ao povo do Brasil que Alagoas,
que tem um povo ordeiro, não tolera de forma alguma conviver com essa
criminalidade, conviver com esse tipo de situação”, destaca o secretário de
Defesa Social de Alagoas, Eduardo Tavares.
Para o
Ministério Público, um dos fatores que contribui para tanta violência no estado
é a impunidade.
“O que chama
atenção em Alagoas é o número de processos movidos contra autoridades. Só que
esses processos se eternizam, esses processos tramitam lentamente e não existe
uma resposta à altura. O que faz com que aumente a descrença do povo no sistema
de Justiça”, disse o procurador-geral de Justiça Sérgio Jucá.
No estado de
Alagoas, dois deputados, um ex-vereador e um ex-secretário de Segurança foram
denunciados por homicídio, entre 2004 e 2012. Em todos os casos, eles aparecem
como mandantes de assassinatos. Até agora não foram julgados e aguardam em
liberdade. São eles: o deputado federal Francisco Tenório, do PMN; o deputado
estadual, João Beltrão, do PRTB; o ex-vereador de Maceió, Luís Pedro; e o
ex-secretário de segurança de Alagoas, Robervaldo Davino, que hoje é um dos
diretores da Polícia Civil.
Fomos atrás
das autoridades. Em nome de João Beltrão, falou o advogado. “Não tem
absolutamente nada. Esse é um fato que ocorreu há mais de 15 anos. Há mais de
15 anos”, diz José Fragoso Cavalcanti.
O advogado também
defende o ex-vereador Luís Pedro. “Ele é inocente. Em verdade essa história foi
criada por uma pessoa aqui em Maceió, uma fonte que é absolutamente inidônea”,
disse.
Também foi
um advogado que falou em nome do deputado federal Francisco Tenório. “Nos dois
processos que o deputado ficou como réu não há o mínimo indício de prova que
ele seja o autor intelectual desses homicídios”, disse o advogado Fábio
Henrique Cavalcante Gomes.
E o atual
secretário de Segurança explicou por que o ex-secretário, acusado de homicídio,
ocupa, agora, um cargo de diretor na Polícia Civil. “Até que ele seja julgado,
ele precisa ficar exercendo o seu cargo, mas o delegado Davino é um delegado
atuante. É um delegado que apresenta resultados”, avalia Eduardo Tavares.
O advogado
de Davino disse que vai provar a inocência dele: “Nós entendemos que não existe
nenhuma prova contra ele de qualquer ato ilícito”, diz Fernando Maciel.
Há dois
anos, a Universidade Federal de Alagoas decidiu fazer uma homenagem às vítimas
da violência: um bosque do campus recebeu 140 mudas de árvores, cada uma
representa uma pessoa. Ali, encontramos Seu Sebastião. O filho dele foi
assassinado, com 21 tiros, dentro de casa. O corpo foi levado para o IML e
desapareceu.
“Ocultaram o
corpo do meu filho e fizeram o serviço pensando que era bem feito. Porque não
encontrando o corpo, não teria crime”, disse o pai da vítima.
O crime foi
em 2004, mas ainda falta julgar o acusado de ser o mandante: o ex-vereador Luís
Pedro. Seu Sebastião diz que só vai descansar quando o crime for esclarecido e
ele encontrar o corpo do filho.
“Para mim,
na hora que eu estava plantando essa árvore, eu estava sepultando o meu filho.
Então, para mim, até hoje, o meu filho está sepultado aqui”, diz ele.
FONTE: G1 O PORTAL DE
NOTÍCIAS DA GLOBO